Cia das Letras- 2011-,264 pág. |
Caríssimos amigos, sem mais demoras, para que não esfrie, vamos ao prato, ops!, resenha prometida. Bom apetite!
Em, As esganadas, mais nova investida literária do sempre espirituoso e eclético Jô Soares, como sempre, ele é capaz de deslocar o leitor no tempo e no espaço na companhia de personagens famosos e emblemáticos que, sendo "verídicos são tratados de forma ficcional "- avisa, em nota, o próprio autor.
O leitor (melhor seria dizer espectador?) acompanha a narrativa, construída de forma linear, seguindo os passos do grupo de investigadores, formado por um desterrado inspetor da polícia portuguesa, Tobias Esteves (ninguém menos que o "Esteves sem metafísica" de Álvaro de Campos), pelo delegado Mello Noronha e pelo inspetor Valdir Calixto - ao qual junta-se a intrépida jornalista Diana de Souza, no encalço de um perturbador serial killer "especializado" em gordas.
Qual a origem da motivação do assassino? Por que mulheres gordas? Ódio? vingança? Amores frustrados? Traumas pretéritos, afinal, não está na infância - negligenciada, superprotegida ou abusada - a origem de todos os males do passado e do presente da humanidade? Freud explica, obviamente. Eu é que não me atrevo. O fato é que trata-se de um assassino guloso, um único crime não o satisfaz, então...
Ora, pois, diria o "bom português"(o da tabacaria, claro), para descobrir as respostas, caro amigo das ideias, vais ter que ler, ó pá! Aliás, é pra isso que os livros são escritos (e as resenhas literárias também), porque ainda não morreu a língua em que foram escritos.
Com o senso de humor e ambientação histórica já característicos na prosa de Jô Soares, a história segue um enredo previsível, o que de maneira alguma deprecia o livro. Os costumeiros chistes do escritor-comediante-apresentador respondem: presente!, e a atuação do detetive lusitano garante isso quebrando velhos paradigmas humorísticos ao longo da história. O matador das infelizes rechonchudas vai preparando seu cardápio tendo como pano de fundo vários aspectos históricos que podem ser vislumbrados entre um crime e outro: as relações diplomáticas entre Brasil e Alemanha à época da Segunda Guerra Mundial, o golpe integralista durante o Estado Novo, a copa do mundo de futebol na França ou, ainda, episódios mais prosaicos, como concorridíssimos eventos sociais, lugares e personagens destacados da sociedade que desfilam aos olhos divertidos do leitor.
Enquanto a equipe do delegado Melo Noronha decifra migalhas de pistas deixadas, o assassino segue pantagruelicamente fazendo vítimas, sempre variando o cardápio. A cada crime capricha mais, até o requintado prato final servido ao leitor.
Fiquem à vontade! A mesa está posta para a entrada e, enquanto o prato principal não chega, degustem um trecho de "Tabacaria", de Álvaro de Campos, heterônimo de cuja poesia além-mar o Esteves partiu em direção à prosa de Jô Soares.
(...)
Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,
Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.
Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.
Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma consequência de estar mal disposto.
Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.
(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.
(Álvaro de Campos, 15-1-1928)
Oi Carmem!
ResponderExcluirEu ganhei esse livro em um amigo oculto e estou louca pra ler!
Jô é sempre uma boa pedida para uma leitura divertida. Espero ler logo.
Beijos!
Tati
http://coracaoliterario.blogspot.com/
Vais gostar Tati. É sempre uma leitura muito leve, diverte.
ExcluirQue bom ganhar livros dos amigos ocultos, eu não tenho essa sorte rsrsrsr
bjokk,
Cármen.
Oi, Cármen. Ótima resenha! Mas, sei lá, eu tenho uma antipatia em relação à literatura do Jô. No Skoob , o pessoal também não costuma dar uma média muito boa para os livros desse comediante - digo - escritor rs. Mas um dia vou conferir, pois é feio ficar falando do que ainda não se conhece, certo? rs.
ResponderExcluirParabéns pela resenha!
Bjs.
Oi, Sérgio,
ResponderExcluirA fórmula dele é sempre a mesma. O resultado é uma leitura divertida, pra mim, funciona como relax pois a impressão que tenho é de estar assistindo-o na TV, que ultimamente assisto muito pouco. E já gostei mais dele como apresentador-comediante,hoje, nem tanto.
Obrigada, volte sempre.
Abç,
Cármen.
Quando pesquisei sobre este livro o nome 'Jô Soares' sempre aparecia em destaque e não realmente o contexto do livro, gostei da sua resenha exatamente porque você soube equilibrar esses dois lados...!
ResponderExcluirDanielle Reis - Responsável pelo projeto "As Fanfics do Momento" do Drunk Culture
http://drunkculture.blogspot.com/
Que bom que gostou, Danielle.
ResponderExcluirVais gostar do livro também, com certeza. A linguagem é bem divertida.
Volte sempre.
Bjokk,
Cármen.
Eu já li O Xangô de Baker Street, também do Jô, e gostei muito!
ResponderExcluirTenho certeza que ele não deixa por menos nessa obra!
Pretendo ler em breve! :]
Beijos
http://giselecarmona.blogspot.com/
@giselecarmona
Com certeza, Gisele
ResponderExcluirVais gostar, com certeza.
Bjokk,
Cármen.